Diariamente vemos notícias de empresas que têm ICMS glosado por notas fiscais declaradas inidôneas, emitidas por fornecedores que tiveram declaração de inidoneidade pelo Fisco Estadual, publicada no Diário Oficial, com extensão dos efeitos dessa inidoneidade desde a origem do fornecedor.
Isso significa dizer que todas as notas fiscais emitidas pelo fornecedor são declaradas inidôneas. E todos os que compraram dele, mesmo no período anterior à publicação da declaração de inidoneidade, são autuados pelo Fisco, com futura CDA remetida a protesto.
Recebendo a notificação do Cartório de Protestos, o empresário é tomado de surpresa, principalmente porque terá 3 dias úteis para pagar, ou sua empresa será negativada, com as consequências desastrosas que disso decorre para os negócios.
E logo pensa no absurdo da situação: comprou do fornecedor tempos atrás, numa negociação comercial regular, com emissão também regular da Nota Fiscal Eletrônica, e subitamente essa negociação é considerada “inidônea”, posteriormente, por declaração de inidoneidade do fornecedor, como se fosse possível o empresário prever o futuro, que o fornecedor seria declarada “inidôneo” pelo Fisco futuramente.
Mas a negociação comercial regular, de boa-fé, não pode ser assim desnaturada, em prejuízo da empresa que efetivamente adquiriu os produtos da fornecedora declarada posteriormente “inidônea”.
Esse tentado protesto pode desde logo ser suspenso judicialmente, através de pedido de tutela de urgência, em face do enunciado da Súmula 509 do Superior Tribunal de Justiça, que reforça a presunção de boa-fé do empresário, em consonância, inclusive, com a norma-princípio constitucional da boa-fé, além da legislação brasileira decorrente que considera a boa-fé como presumida.
A súmula 509-STJ possui o enunciado segundo o qual “é lícito ao comerciante de boa-fé aproveitar os créditos de ICMS decorrentes de nota fiscal posteriormente declarada inidônea, quando demonstrada a veracidade da compra e venda.” A boa-fé é presumida.
E conforme jurisprudência e doutrina sobre o tema, a declaração de inidoneidade somente produz efeitos a partir da publicação do ato declaratório da inidoneidade. Por outra: as operações mercantis anteriores à data da publicação da declaração de inidoneidade da fornecedora tem presunção de corretas e válidas, não autorizando o Fisco a glosar ICMS da empresa compradora. Nesse sentido, o julgado emblemático do E. Superior Tribunal de Justiça, novamente:
“TRIBUTÁRIO. CRÉDITOS DE ICMS. APROVEITAMENTO. NOTAS FISCAIS POSTERIORMENTE DECLARADAS INIDÔNEAS. COMPROVAÇÃO DA REALIZAÇÃO DA OPERAÇÃO COMERCIAL. SÚMULA 7/STJ. A jurisprudência desta Corte de Justiça, em acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC, e da Resolução STJ 8/2008, firmou-se no sentido de que o “comerciante que adquire mercadoria, cuja nota fiscal (emitida pela empresa vendedora) tenha sido posteriormente declarada inidônea, é considerado terceiro de boa-fé, o que autoriza o aproveitamento do crédito do ICMS pelo princípio da não-cumulatividade, desde que demonstrada a veracidade da compra e venda efetuada (em observância ao disposto no artigo 136, do CTN), sendo certo que o ato declaratório da inidoneidade somente produz efeitos a partir de sua publicação” (REsp 1.148.444/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 14.4.2010, DJe27.4.2010). Incidência da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido”(AgRg no AREsp91.004/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em16/02/2012, DJe 27/02/2012).
O enunciado da Súmula 509-STJ, portanto, interpreta o tema em debate, de modo que a posição da adquirente de boa-fé da mercadoria, a Autora, é refratária à tentada autuação e imposição de multas e glosa de créditos tributários.
E não poderia ser diferente, já que o ato que declara a suspensão cadastral ou inidoneidade de empresa é de natureza declaratória, tendo como consequência a produção de efeitos após sua publicação no Diário Oficial, não podendo produzir efeitos prévios, como que destruindo todas as vendas e compras regularmente realizadas como se fossem mera fumaça que se dispersa em ventania. Perante o E. Tribunal de Justiça de São Paulo, não há divergências. Dentre tantos, recente julgado confirma a tese do enunciado sumular¹:
Apelação cível – Direito Tribuário – Pretensão anulatória – Alegação de inidoneidade da empresa que realizou transações comerciais com a Autora – Declaração posterior ao negócio que deu origem ao creditamento que não pode atingir o adquirente de boa-fé – Precedentes e súmula 509 do STJ – Recurso voluntário da Apelante provido e desprovida a remessa necessária.
¹ TJSP, 3ª Câmara de Direito Público, rel. Des. Marrey Uint, j. 12/03/2019.
E com relação a concessão de liminar de sustação de protesto, o mesmo Tribunal de Justiça de São Paulo confirma esta possibilidade, em face da existência dos requisitos de plausibilidade do Direito e risco de lesão, inclusive sem necessidade de caução, pela boa-fé do adquirente:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – Ação anulatória de débito fiscal – ICMS – Antecipação de tutela indeferida pelo nobre Juízo a quo – Pretensão de suspensão de exigibilidade de crédito tributário – Hipótese de declaração de inidoneidade de empresa posteriormente à realização das operações de compra e venda de mercadorias, com eficácia retroativa – Impossibilidade – Empresa vendedora que ao tempo do ato negocial gozava de habilitação idônea perante a Secretaria da Fazenda do Estado de SP – Boa comprador – Ato declaratório da inidoneidade do vendedor que somente produz efeitos a partir de sua publicação – Precedentes jurisprudenciais do C. Superior Tribunal de Justiça e desse E. Tribunal de Justiça – Requesitos para concessão da tutela atendidos – Prova documental indicativas da boa-fé do adquirente (escrituração das entradas das mercadorias por meio de cópias de registros e notas fiscais, além de comprovantes de pagamentos de boletos bancários em nome das empresas consideradas inidôneas) – Reforma da decisão agravada que se impõe – Recurso provido.
Portanto, concluindo essas breves notas, tendo havido regular negociação de venda e compra de mercadorias entre a empresa e a fornecedora, com as tratativas, pagamentos, emissão de Nota Fiscal Eletrônica, forma de entrega, recebimento dos produtos, com todo o ciclo completo de negociação com boa-fé entre partes, há possibilidade de sustação judicial de tentado protesto de CDA pela Fazenda Estadual, através de pedido de tutela de urgência, e posterior cancelamento.