É muito claro: advogados são pessoas. E cada uma “funciona” de um jeito peculiar. A nossa profissão, no entanto, permite acolher todos os tipos de perfis: os extrovertidos, os exibicionistas, os tímidos, os nerds, os briguentos, os pacíficos, etc.. Cada um encontra o seu lugar no mundo profissional.
Mas um fato é unânime: seja qual for a área de trabalho, todos devem resolver questões legais. E isso se faz “abraçando” o problema. E não o “rejeitando”. Isso significa que faz parte da profissão uma carga de curiosidade, de investigação, de escavação, pois a construção de soluções exige também essa motivação pessoal de crescimento profissional.
“Abraçar o problema” significa apreciá-lo sob todos os ângulos, por mais que a jurisprudência entenda “assim ou assado”. Muitas vezes, pegamos “teses absurdas” que dão certo. Mas deram certo por quê? Porque houve intensa investigação de soluções legais possíveis e apresentação lógico-argumentativa de seus pressupostos.
Porque, salvo raríssimas exceções, não existem “gênios” puros e simples. A célebre frase “gênio é 1% inspiração e 99% transpiração” (1) significa que a genialidade, na verdade, é virtualmente resultado de muito trabalho duro, e não de apenas uma centelha de epifania. O que nos faz merecedores do conhecimento é a “mão na massa”. Essa “mão na massa” é motivada pela curiosidade e pela rejeição ao simples conformismo inercial.
A evolução do Direito se movimenta com esse inconformismo. Ficar estancado em “teses pacificadas”, sem pesquisa, sem estudo de caso, sem investigação, pode deixar passar uma possibilidade de solução distinta e eventualmente mais alinhada com a realidade atual.
O Direito é um sistema dinâmico. E esse dinamismo vem carregado de responsabilidade da advocacia, que batalha para entregar outras óticas sobre a interpretação da Lei, sempre na busca do mundo ideal da “Justiça”.
Hoje vivemos o realismo jurídico (2): o Direito é o que os Tribunais decidem. O que fazemos nós, hoje, quando observamos um caso concreto: vamos direto ver a jurisprudência. Por quê? É óbvio. Precisamos aferir uma probabilidade de êxito sobre o caso, em face daquilo que o Judiciário tem afirmado sobre casos semelhantes. Direito não é ciência exata, mas é necessário informar ao Cliente, que sempre pergunta, a probabilidade: “mas, doutor, temos chance?”.
O que nós, advogados, não podemos é simplesmente nos conformar com as decisões que entregam uma probabilidade pequena. “A advocacia não é profissão de covardes”(3). Nós agimos e nos motivamos no ir contra as “decisões majoritárias ou pacíficas”, se entendermos que há fundamento legal bastante. E isso faz evoluir o Judiciário, que possui Magistrados que se importam com a evolução do Direito e sempre estão abertos a verificar novos horizontes de interpretação. Ou verificando teses nos casos concretos, ou afirmando, eles mesmos, interpretações distintas.
Isso significa “abraçar um problema”. Significa fazer o devido estudo de caso, escavar possibilidades de solução, não esmorecer apenas porque “a jurisprudência diz que não”. Não abdicar do problema logo no primeiro obstáculo, como se estivesse tentando desde logo se livrar da questão.
Se você vai ao médico com um problema e ele nem olha para você e já vai receitando determinado medicamento, talvez você não se sinta seguro com o profissional. E acaba buscando uma “segunda opinião”. Se o advogado não faz o estudo do caso e já dispara respostas ao problema sem estar seguramente fundamentado naquilo que está falando, o Cliente pode não se sentir seguro. Isso em qualquer prestação de serviço, por certo.
Isso não significa que advogados com pouca ou nenhuma cultura jurídica estejam fadados ao desengano. Nem de longe. Há milhares de advogados sem cultura jurídica que são ótimos advogados em audiências, em contratos e ações de massa, do tipo “tudo igual”, ou em outras atividades da profissão. E têm sucesso profissional. Mas, com certeza, se não têm cultura jurídica sobre teses filosóficas ou de Direito que entendem “não levar a nada”, são sábios o suficiente para não darem opinião sem fundamento (o famoso “chute”).
Porque o diploma de bacharel em Direito que ostentamos na parede não é um simples papel: ele afirma que aquele cujo nome está estampado ali é reconhecido pela sociedade como alguém especialista na matéria. O diploma é o reconhecimento de uma especialidade que o representa.
Por isso, para não cairmos no lugar comum da falta de profissionalismo, tentamos nunca opinar sem ter conhecimento e fundamento daquilo que falamos. É muito comum Clientes ou amigos, parentes, conhecidos, “ah, você é advogado! Me fala uma coisa, se eu me separar agora, posso pedir pensão de quanto?” “Eu tenho um sítio, mas sem registro. Agora meu vizinho colocou uma cerca invadindo uma parte do terreno. Posso quebrar tudo?” E por aí vai.
Certamente que temos que nos escorar antes de responder. Quando ele telefona e já dispara um monte de perguntas e não sabemos ao certo a resposta, respondemos simplesmente “eu não sei com certeza. Preciso estudar melhor o caso, aí te falo”.
Se já nos posicionamos e respondemos, mesmo sem saber, mas para dar um ar de que conhecemos o metiê, “ah, pode sim, claro”, e na verdade “não podia não”, ou “podia, mas com restrições”, acabamos acuados quando o problema volta para nós. O tal efeito bumerangue.
Enfim, ao “abraçar o problema” que nos é posto, muitas vezes ficamos surpresos com o leque de possibilidades de solução que nos surgem. Coisa que nunca imaginávamos quando nos deparamos no início. E isso exige muito suor, estudo, esforço e dedicação. Não esmoreça.
__________________________
(1) Thomas Alva Edison.
(2) corrente da Filosofia do Direito.
(3) Heráclito F. Sobral Pinto (1893-1991).