A resposta, como regra geral: não é penhorável, conforme entendimento jurisprudencial já em consolidação pelo Supremo Tribunal Federal.
A Lei nº 8.009/90 protege o bem de família, dispondo, como regra geral, que ele é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida¹. Mas há exceções². Para o caso daquele que figura como fiador em contrato de locação, o artigo 3º, inciso VII, da referida Lei dispõe que é possível a penhora de bem de família “VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”. Não faz distinção entre locação para fins residenciais ou comerciais (rectius: não-residenciais).
Com relação à penhora de bem de família de fiador de contrato de locação residencial, a jurisprudência é pacífica no sentido da possibilidade. O entendimento é tranquilo e foi alçado à Súmula 549 do Superior Tribunal de Justiça-STJ, com o seguinte enunciado: “É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação.”
O Supremo Tribunal Federal-STF também não destoa do entendimento quanto a fiador de imóvel residencial: seu bem de família é penhorável. Desde 2010, fixou a Tema 295-“Penhorabilidade de bem de família de fiador de contrato de locação”, com a seguinte Tese: “É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, em virtude da compatibilidade da exceção prevista no art. 3°, VII, da Lei 8.009/1990 com o direito à moradia consagrado no art. 6° da Constituição Federal, com redação da EC 26/2000.”³
Contudo, em relação à locação comercial, contida no gênero “não-residencial”, o Supremo Tribunal Federal afirmou uma distinção de entendimentos (distinguishing)(4) com a realidade do fiador da locação residencial, que orientam pela defesa do direito constitucional à moradia e ao princípio da isonomia.
Embora a Lei nº 8.009/90 não faça distinção entre contrato de locação residencial ou não-residencial na penhorabilidade do imóvel do fiador, o bem de família do fiador de locação comercial não pode ser penhorado para fins de satisfazer o crédito do locador. “Não se vislumbra justificativa para que o devedor principal, afiançado, goze de situação mais benéfica do que a conferida ao fiador, sobretudo porque tal disparidade de tratamento, ao contrário do que se verifica na locação de imóvel residencial, não se presta à promoção do próprio direito à moradia”, no voto da eminente Ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal(5).
Essa disparidade tem fundamento no fato de que, na locação comercial, provavelmente o locatário já é proprietário de um imóvel para moradia, onde tem domicílio. Esse imóvel residencial, que certamente não é o imóvel comercial locado, é impenhorável pela Lei nº 8.009/90, que protege o direito à moradia. Já o imóvel do fiador deste contrato de locação comercial não estaria protegido pela impenhorabilidade, em grave violação à isonomia.
Enquanto o locatário da locação comercial está protegido pela impenhorabilidade de seu próprio imóvel residencial, o fiador da locação comercial não teria tal proteção. Isso ofende o princípio da isonomia e o direito constitucional à moradia.
Portanto, a penhorabilidade de imóvel do fiador em locação residencial continua hígida e de acordo com a Lei nº 8.009/90 e entendimento jurisprudencial em consolidação pelo STF. Quanto a imóvel de fiador em contrato de locação comercial, ou não-residencial, o entendimento corrente e sólido da jurisprudência(6) é pela sua impossibilidade de penhora, estando protegido pelo direito à moradia.
Trata-se aqui, por certo, de brevíssimo escrito sobre o tema, em que, havendo dúvidas ou caso concreto em que o fiador esteja vivenciando, deve buscar Advogado de confiança para a defesa de seus legítimos interesses.
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(1) Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
(2) Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; (Revogado pela Lei Complementar nº 150, de 2015)
II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida; (Redação dada pela Lei nº 13.144 de 2015)
IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)
Art. 4º Não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga.
(3) STF, Tema nº 295, RE 612360 RG , Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, julgado em 13/08/2010, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO, DJe-164 DIVULG 02-09-2010 PUBLIC 03-09-2010, EMENT VOL-02413-05 PP-00981, LEXSTF v. 32, n. 381, 2010, p. 294-300.
(4) Distinguishing: confrontação e não aplicação de um precedente vinculante em face de diferença entre os parâmetros deste e da causa em julgamento.
(5) STF: RE 1.296.835, Relator(a): CARMEN LÚCIA, julgado em 25/01/2021; RE 605709, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Relator(a) p/ Acórdão: ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 12/06/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-032 DIVULG 15-02-2019 PUBLIC 18-02-2019.
(6) Outras decisões sobre o tema, com o mesmo entendimento, perante o STF: Recurso Extraordinário n. 1.278.427, de minha relatoria, DJe 5.8.2020; Recurso Extraordinário n. 1.259.431-AgR, Relator o Ministro Edson Fachin, DJe 13.8.2020; Recurso Extraordinário n. 1.280.380, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe 5.8.2020; Recurso Extraordinário n. 1.276.295, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 6.8.2020; Recurso Extraordinário n. 1.278.282, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJe 10.8.2020; e Recurso Extraordinário n. 1.268.112, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe 3.6.2020; RE 1.228.652-AgR, rel. Min. Carmem Lúcia, DJe 10.12.2019; RE 1.271.234, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 23.6.2020; RE 352.940, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 9.5.2005; Recl 35.372-MC, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 21.6.2019; RE 1.223.149, rel. Min. Carmem Lúcia, DJe 21.8.2019;
Boa tarde!
Sou locatária de dois imóveis comerciais onde precisei atrasar os aluguéis….não estando nos imóveis, a outra parte solicitou despejo + cobrança de débito acumulado. Pergunto: o meu fiador idoso tem um único imóvel, esse mesmo poderá ser penhorado ou não?
Desde já agradeço a atenção.