Após a publicação da Lei Lei 14.434, de 4 de agosto de 2022, que estabeleceu o novo piso salarial dos enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares e parteira, a Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte conseguiu na justiça o direito de não arcar com o pagamento do piso da enfermagem aos funcionários, repassando a responsabilidade para a União.
A decisão foi proferida pelo juiz Pedro Pereira Pimenta, da 17ª Vara Federal Cível de Minas Gerais, que ainda deferiu tutela antecipada de urgência autorizando o bloqueio de R$ 3 milhões das contas do Fundo Nacional de Saúde, do Fundo Estadual de Saúde, da Secretaria do Estado, do Tesouro do Estado e do Fundo Municipal de Saúde de Belo Horizonte. Esse valor corresponde à diferença entre o gasto atual e o que será necessário para atender a nova legislação.
Merece destaque o trecho da sentença proferida nos autos do processo nº 1037074-83.2022.4.01.3800:
“No caso de insucesso dos bloqueios determinados no item ‘a’ supra, que os Réus se abstenham de imputar punição à Autora em caso de descumprimento do Plano Operativo e, ainda, de procederem a bloqueios financeiros de qualquer ordem em valores a receber pela Santa Casa em decorrência do contrato firmado”
A presente decisão, por mais espantosa que seja, é consequência lógica da imposição da própria legislação.
O cenário, desde o dia 05/08/2022, está completamente dominado pela referida Lei 14.434, pelo aumento do piso salarial dos enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares e parteiras.
O projeto de lei-PL foi de autoria do senador Fabiano Contarato (PT. Na sua proposta inicial, o senador respaldou a mudança do piso salarial para o valor de R$ 7.000,00 mensais para enfermeiros, R$ 5.100,00 mensais para técnicos de enfermagem, e de R$ 3.600,00 mensais para auxiliares de enfermagem e parteiras. Ademais, estabeleceu a concretização da jornada semanal de 30 horas para os enfermeiros.
Após 18 meses de negociações, o PL foi ao Senado. Porém, foram necessárias concessões, de forma que o valor do piso para enfermeiros foi estabelecido em R$ 4.750,00, R$ 3.325,00 e R$ 2.375,00 mil respectivamente para os enfermeiros, técnicos e auxiliares e parteiras.
Quanto à carga horária, o PL foi omisso sobre a jornada, e se esse tipo de garantia deve incidir sobre vencimento ou a remuneração total do funcionário, incluindo gratificações, deixando a cada unidade da Federação definir esse aspecto.
Na omissão do PL e sem uma regularização estatal, continua valendo a jornada atualmente prevista pela CLT e CF de 40 ou 44 horas, devendo-se respeitar o contrato de trabalho firmado.
Grande polêmica gera esse quesito: atualmente seria mais vantajoso para uma empresa contratar um profissional da saúde pelo regime de jornada parcial, cuja contraprestação é proporcional ao salário do trabalhador integral, do que pela carga horária de 44 horas, já que a grande maioria das categorias de saúde já possui jornadas inferiores a 44 horas semanais.
Caso a redução de jornada tivesse sido aprovada pelo PL, todos os profissionais dessa categoria conquistariam o direito ao recebimento do valor integral do piso e, toda hora excedente à 30ª hora semanal seria paga como hora extra.
Outro ponto de omissão que está a gerar descontentamento é qual ente que irá custear o montante referente ao custeio do aumento salarial. Diversas entidades nacionais de representação da saúde emitiram uma nota requerendo urgência na definição das fontes de custeio e alegaram que, sem determinada definição, toda a população brasileira está ameaçada a sofrer com a pouca manutenção do acesso a saúde.
A Federação Brasileira dos Hospitais assinou a nota que dispõe:
“A situação do setor da saúde é extremamente crítica, e as entidades buscam o apoio do Poder Público para encontrar uma solução que garanta o acesso à saúde de toda a população brasileira”.
Tanta relevância tem o tema, que é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.222, proposta por oito entidades de saúde, sendo elas: Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC), Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT), Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Confederação Nacional de Municípios (CNM), Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB), Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde) e Federação Brasileira de Hospitais (FBH), com relatoria do ministro Luís Roberto Barroso.
Ainda, as Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), em Salvador, afirmam que os R$ 26 milhões de déficit projetados até o final do ano deve aumentar para R$ 42 milhões.
O Lar São Vicente de Paula, em Novo Hamburgo, demitiu 13 profissionais da enfermagem, fechando o setor por tempo indeterminado, motivados pelo impacto financeiro que a sanção do piso salarial nacional da enfermagem trouxe para as contas fixas mensais da entidade.
Por fim, uma certeza que temos é que esse tema está longe de se esgotar e, por ora, o que prevalece é o disposto na Lei. Nosso escritório estará à disposição dos clientes para eventuais dúvidas.
Isabela Henrique Alvares