Inicialmente, é importante ressaltar que a legislação brasileira sobre matéria trabalhista é complexa, regulamentada principalmente pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a qual é pilar para as normas infralegais que também precisam ser observadas.
Sabe-se, pois que a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), trouxe uma série de inovações legislativas e, por consequência, a CLT sofreu alterações significativas as quais foram em sua maioria regulamentas pelas normas infralegais acima mencionadas.
Com a vigência das leis n.º 13.429 e 13.467/2017, que trouxeram alteração substancial à lei n.º 6.019/74, a sistemática da terceirização passou a ser conclusivamente tratada no ordenamento jurídico. A Lei n.º 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), modificou a redação do art. 4º-A, dispondo o seguinte:
“Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.”
Ora, com a alteração legislativa acima seria possível concluir que estariam encerradas quaisquer dúvidas a respeito da licitude da terceirização de atividade fim das empresas, considerando-a de forma ampla e não somente nos termos do item III da súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Veja-se:
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
Bom, após idas e vindas sobre a matéria coube ao Supremo Tribunal Federal exercer a sua competência jurisdicional em atuação no julgamento do Recurso Extraordinário 958252 e da ADPF 324, com repercussão geral reconhecida, tratando, portanto, da legalidade da terceirização de atividades-fim, cuja decisão foi pela licitude da terceirização em todas as atividades empresariais.
A tese foi aprovada nos seguintes termos:
“É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.
Depreende-se, nessa senda, que o Supremo Tribunal Federal entendeu que a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, ao não admitir a terceirização da atividade principal das empresas, estaria violando preceitos fundamentais, a exemplo dos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, ressaltando, ante a tese prevalecente, que inexistia efetivamente tal vedação a esta modalidade de contratação, proclamando a possibilidade de reconhecimento de terceirização da atividade-fim, ainda em período anterior ao advento das Leis n.º 13.429/2017 e 13.467/2017.
Inclusive, as decisões do Supremo Tribunal Federal, em sede de ADPF, por força do art. 10, § 3º, da lei 9.882/99, possuem eficácia contra todos e efeito vinculante, inclusive quanto aos demais órgãos do Poder Público.
Pois bem, após as considerações acima, necessário introduzir o tema central deste artigo para fins de especificidade e melhor compreensão da matéria. Na data de 10 de novembro de 2021, foi editado o Decreto 10.854/21, que instituiu o Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas Infralegais.
O Decreto possui intenção de regulamentar disposições relativas à legislação trabalhista sobre vários temas, dentre eles:
IX – empresas prestadoras de serviços a terceiros, nos termos do disposto na Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974;
X – trabalho temporário, nos termos do disposto na Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974;
Consta, ainda, no artigo 5º do Decreto que são objetivos gerais do Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas Infralegais:
I – promover a conformidade às normas trabalhistas infralegais e o direito ao trabalho digno;
II – buscar a simplificação e a desburocratização do marco regulatório trabalhista, de modo a observar o respeito aos direitos trabalhistas e a redução dos custos de conformidade das empresas;
III – promover a segurança jurídica;
IV – alcançar marco regulatório trabalhista infralegal harmônico, moderno e dotado de conceitos claros, simples e concisos;
V – aprimorar a interação do Ministério do Trabalho e Previdência com os administrados;
VI – ampliar a transparência do arcabouço normativo aos trabalhadores, aos empregadores, às entidades sindicais e aos operadores do direito por meio do acesso simplificado ao marco regulatório trabalhista infralegal;
VII – promover a integração das políticas de trabalho e de previdência; e
VIII – melhorar o ambiente de negócios, o aumento da competitividade e a eficiência do setor público, para a geração e a manutenção de empregos.
O Decreto, portanto, está em vigor desde o dia 11 de dezembro de 2021. Por consequência, questiona-se: Quais os impactos sobre as empresas prestadoras de serviços a terceiros e trabalho temporário?
Analisando o artigo 39 a definição de terceirização pode ser entendida como:
Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive de sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.
Importante, também, ressaltar que o Decreto confirma a não configuração de vínculo empregatício a relação trabalhista entre os trabalhadores ou sócios das empresas prestadoras de serviços, independentemente do ramo de suas atividades, e a empresa contratante.
Aliás, a verificação de vínculo empregatício e de infrações trabalhistas, quando se tratar de trabalhador terceirizado, será realizada contra a empresa prestadora dos serviços e não em relação à empresa contratante, exceto quando for comprovada fraude na contratação da prestadora.
Na hipótese de configuração de vínculo empregatício com a empresa contratante, o reconhecimento do vínculo deverá ser precedido da caracterização individualizada dos seguintes elementos da relação de emprego: I – não eventualidade; II – subordinação jurídica; III – onerosidade; e IV – pessoalidade.
Deste modo, é possível concluir que o Decreto 10.854/21, acaba por facilitar a compreensão sobre o instituto da terceirização e fomentar sua utilização de modo amplo pelos interessados.
Ato contínuo, imperioso abordar os impactos sobre o trabalho temporário. Analisando o artigo 41 a definição de trabalho temporário pode ser entendida como:
Art. 41. Considera-se trabalho temporário, nos termos do disposto na Lei nº 6.019, de 1974, aquele prestado por pessoa natural contratada por empresa de trabalho temporário que a coloca à disposição de empresa tomadora de serviços ou cliente para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços.
Ou seja, o trabalho temporário não se confunde com a prestação de serviços a terceiros de que trata o art. 4º-A da Lei nº 6.019, de 1974.
Considera-se, assim, empresa de trabalho temporário a pessoa jurídica, devidamente registrada no Ministério do Trabalho e Previdência, responsável pela colocação de trabalhadores temporários à disposição de outras empresas, tomadoras de serviços ou clientes que deles necessite temporariamente.
A empresa tomadora de serviços ou cliente é definida como a pessoa jurídica ou entidade a ela equiparada que, em decorrência de necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou de demanda complementar de serviços, celebre contrato de prestação de serviços de colocação à disposição de trabalhadores temporários com empresa de trabalho temporário;
Já o trabalhador temporário é pessoa natural contratada por empresa de trabalho temporário colocada à disposição de empresa tomadora de serviços ou cliente, destinada a atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços.
Neste ponto, crucial a definição de demanda complementar de serviços e substituição transitória para exata compreensão empresarial. O Decreto as define como:
a) demanda proveniente de fatores imprevisíveis ou, quando decorrente de fatores previsíveis, que tenha natureza intermitente, periódica ou sazonal;
b) substituição de trabalhador permanente da empresa tomadora de serviços ou cliente afastado por motivo de suspensão ou interrupção do contrato de trabalho, tais como férias, licenças e outros afastamentos previstos em lei;
Ou seja, a empresa de trabalho temporário tem por finalidade a colocação de trabalhadores temporários à disposição de empresa tomadora de serviços ou cliente que deles necessite temporariamente, existindo clara distinção entre a prestação de serviços (terceirização), também prevista na Lei 6.019/74.
Conclui-se, pois, que o objetivo do marco regulatório trabalhista previsto no Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas Infralegais, no que se refere a terceirização e trabalho temporário é cristalino ao estabelecer direitos e deveres das partes envolvidas, regulamentando as omissões da lei a respeito do tema.